sexta-feira, 25 de julho de 2008

Quimeras Economicistas (parte V)

Vamos ao terceiro item.

Quanto a "lei da oferta e da procura" e as "religiões afro-brasileiras". O ponto comum entre ambas é que as duas são construções ideológicas. Explico.

A tal lei foi construída ao longo do tempo, substituindo a noção quase religiosa de "mão invisível" de Adam Smith. Esta construção teórica procura justificar o capitalismo como um sistema justo e auto-corretivo - por tender "naturalmente" ao equilíbrio. Esta construção foi se expandindo para além das fronteiras da relação entre produtores e consumidores, abrangendo também salários e lucros, poupança e investimento, entre oferta e demanda por emprego, entre receitas e despesas etc. A construção apoiou-se em duas ciências - a matemática e a fisiologia, que instrumentalizam a noção de igualdade e equilíbrio natural (quem já não ouviu algum economista fazendo analogias médicas ou apelando ao discurso matemático?). É bom que se diga que esta extrapolação da noção de homeostasia - enxertada da fisiologia na economia, é completamente indevida e não tem outro papel que não o ideológico.

Refiro-me a ideologia no sentido de ocultamento do que é real. O aluno de Ciências Econômicas para entender a existência da "lei" precisa aceitar certos pressupostos (aí começa o imbróglio): liberdade, racionalidade, "onisciência" - dos seus desejos, das disponibilidades de mercadorias, de seus preços, dos custos e das vantagens relativas de postergação de consumo, etc., só para falar de alguns aspectos ligados à demanda. Do lado da oferta o raciocínio é mais ou menos similar: onisciência - de todos os custos e disponibilidades de fatores de produção (mão-de-obra, matérias-primas, capital fixo, investimentos, etc.) e ter onisciência das chamadas curvas de preferências do consumidor.

Veja João, estou falando em onisciência - lógico que no curso eles não dizem isto aos alunos, pega mal! Então, é pressuposto que os ditos agentes econômicos "conhecem" o mercado. Mas, e o tal equilíbrio "onipresente" no capitalismo como é justificado? Surge outro problema. Os arautos e "sacerdotes" do capitalismo ficam diante de um dilema tautológico ("síndrome Tostines"): explicar o equilíbrio de mercado pela lei da oferta e demanda e, ao mesmo tempo, explicar a lei da oferta e da demanda pelo equilíbrio de mercado.

Como disse anteriormente, o grande problema de todas as teorias não está normalmente no corpo teórico, mas nos supostos - axiomas, paradigmas e dogmas. A suposta liberdade, "onisciência", racionalidade econômica e equilíbrio não são verificáveis, não são fatos, mas pressupostos. Daí a ideologia.

Tirando os véus da ideologia, você teria que dizer que no sistema capitalista a "lei" não é do equilíbrio, mas é a o do mais forte, mas isso não é palatável, não oculta, revela o cerne da realidade. Mas quem é que tem interesse na realidade?

Não existe demanda ou oferta que se equilibram, existe o poder de pessoas ou de grupos (empresas, instituições, classes, partidos, países, blocos econômicos etc.) operando por persuasão, dissuasão ou por imposição, construindo e desconstruindo valores a partir do desejo (que é a tentativa de preencher a "sensação" de vazio).

No seu exemplo: você não desejou o telefone, o seu desejo era de comunicar-se. Se fosse possível fazê-lo telepaticamente você ficaria satisfeito, mas quem iria ganhar com isso? Não só economicamente, mas inclusive em termos de prestígio social.

Há uma questão essencial no poder - a sujeição ou dependência. Veja, o telefone não foi "empurrado", mas se impondo magicamente e você adquiriu um com a impressão de que o teria desejado - eis o mecanismo da ideologia, nada parece "empurrado" mas desejado. O desejo de se comunicar se transfigurou num aparelho. Um telefone que precisa ser comprado, validado, carregado de créditos, trocado por modelos que aparentam "status" - com agenda, mp3, mp4, televisão e máquina fotográfica, com acesso rápido à internet, num sem fim de recursos para atender um sem fim de "desejos". Espectros inicialmente produzidos pela "usina" do inconsciente, mas que o capitalismo exponencial e dá-lhe figuração própria "adesivando-os" momentaneamente em objetos criados e recriados continuamente (daí sua especificidade). O capitalismo é voraz e autofágico, precisa expandir continuamente o consumo (não interessa uma demanda de crescimento vegetativa), criar novas necessidade, novos desejos - eis o motor e "mola" do sistema. Neste sentido a "oferta" cria a demanda e não o contrário.


Aratish

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