domingo, 26 de maio de 2013

Aconteceu no terreiro...

Aranaun, Saravá, Axé!

Gostaria de comentar um pouco sobre questões muito graves que se repetem em vários terreiros, independentemente da Raiz, da Escola que pertençam. Tal reflexão só é possível, pois nossa vida acadêmica nos levou para inúmeros terreiros brasil a fora construindo laços de amizades com vários pais e mães de santo. Retrato agora a minha experiência de campo.

Sobre estas sérias preocupações, parece-me que só mudam as pessoas e lugares, pois as atitudes são as mesmas. Faço isso, pois, antes de ser pesquisador acadêmico, sou religioso. Nessa condição, prefiro retratar os problemas comuns do povo de santo para alcançarmos soluções pelo diálogo do que apenas descrever em etnografias as questões polêmicas.

A base dos problemas de relacionamento está em conflitos éticos e morais. Temos uma visão de mundo adquirida no terreiro muito diferente da moral vigente (notadamente cristã). Ao mesmo tempo, nascemos e crescemos em uma sociedade ideologicamente arraigada nesta moral. O povo de santo dentro de cada casa de Iniciação vivencia, ritualiza a liberdade. Somos livres, podemos fazer o que quisermos desde que respondamos por nossos atos. Criamos laços espirituais que ressignificam nossos costumes e hábitos. Mudamos o estilo de vida e isto nos transforma de dentro para fora, verdadeiramente.

Mas essas saudáveis transformações não ocorrem do dia para a noite. Pelo contrário, leva tempo. A iniciação nas Religiões Afro-brasileiras não é realizada em produção de escala, muito menos a toque de caixa. Por ser uma mudança interna verdadeira, isso precisa ser despertado por dentro, lá dentro do nosso Ori sob a atenção, paciência e sabedoria de um pai ou mãe de santo preparado para tal.

O que ocorre neste interstício? Tanto a comunidade que só frequenta o templo como o segmento que participa ativamente carrega aquilo que viveu em sociedade. Leva valores e código de condutas que não gostam, não aceitam, mas só sabem fazer isso. Então, qualquer coisa que saí desta regra de conduta, se espanta, se escandaliza. Mas fica o conflito. Sabe que a sociedade cria mentiras morais para sustentar ideologias, mas não sabe fazer outra coisa que não isso. Como proceder?

Aqueles que não rolaram os degraus da iniciação, vão aprofundando a vivência iniciática com o seu  Mestre e par e passo vencendo estas barreiras morais. Privilegiam a ética, o estilo de vida do Orixá. É difícil, mas possível. E, quando alcançado, libertador!

Já os outros... Acabam como verdadeiros fofoqueiros de terreiro. Quando estão no mesmo assunto, compartilhando ideias semelhantes, acreditam que tudo está certo. Sorriem, abraçam, as vezes declaram-se como verdadeiros amigos. Entretanto, basta um "leve" afastamento por falta de sintonia ou mesmo algo mais grave como uma expulsão da casa de santo, que nada mais presta. E qual o código de conduta que é evocado? O mesmo da sociedade injusta que buscara vencer no terreiro, mas fracassou. Passa, aliás nunca deixou de fazer as escondidas, a julgar a todos pelos "cânones" de uma moral hipócrita e para si mesmo os valores que julga correto. Dois pesos e duas medidas que resultam numa postura esquizofrenógena.

Se estão dentro do terreiro, preferem os corredores ao peji. Preocupam-se com quem entra, quem sai, quem faz o quê. Quem está perto do pai de santo, quem não está. Não para aprender e auxiliar, mas para saber se existe oportunidade de intriga, de emergirem assuntos que podem ser classificados como escandalosos. Não querem Axé da Casa, querem polêmica entre as pessoas. Adoram ficar perto da assistência também, para saber o que pensam dos médiuns e das entidades. Enfim, fazer fofoca mesmo.

Quando estão longe do terreiro, muitas vezes expulsos, agem pior. Aliciam médiuns, tentam "roubar" (sic) a assistência para seus terreiros (feitos por quem mesmo?) expressando uma infância espiritual sem precedentes. Por um lado fazem um favor para a casa espiritual que estavam até então vinculados, pois se as pessoas dão ouvidos a este tipo de assunto, são afins atraindo afins. Mas por outro, quebram todo o decoro espiritual da Casa de Iniciação. Rompem com a Tradição pela pior porta: a traição.

Sabemos que o Astral dá oportunidade para todos e muitos ainda permanecem nos terreiros, pela misericórdia dos sacerdotes em esperar as mudanças internas. O que nem sempre acontece. Aí o líder da comunidade não pode deixar que a parte prejudique o todo. O todo, sem exceção, é sempre o foco da Espiritualidade.

Como disse inicialmente, essa realidade é observável em terreiros pelo país a fora. Pequenos, médios e grandes, no meio urbano ou rural. Sem distinção. Minhas palavras são frutos de relatos de vários amigos das religiões afro-brasileiras. Precisamos discutir esses assuntos. Vencer estes obstáculos significa retribuir um pouco todas as bênçãos que recebemos de nossos Mestres dos dois lados da vida. Axé!


Aranauan, Saravá, Axé,
Yabauara (João Luiz Carneiro)
Discípulo de Mestre Arhapiagha (Pai Rivas)


 
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