quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Não queremos Espiritualidade em conta gotas

Aranauan, Saravá, Axé!

A publicação de Pai Rivas que acabamos de divulgar foi encerrada com a descrição de um duplo aspecto das Religiões Afro-brasileiras: "isonomia com as demais confessionalidades e respeito incondicional à diversidade do povo de santo" (fonte: http://sacerdotemedico.blogspot.com.br/2013/01/ftu-unindo-e-dando-voz-as-religioes.html). No campo acadêmico, a FTU é uma expressão disso. Mas gostaríamos de tratar nesse texto outro campo, o religioso propriamente dito.

Pai Rivas nos ensina que uma das questões mais essenciais das expressões religiosas é Espiritualidade. Ela é a ciência do Espírito, vivente no interior de cada um de nós e que pode ser despertado por vários métodos. A Iniciação, por sinal, é um deles e característico das Religiões Afro-brasileiras.

De acordo com o terreiro que o filho de santo está vinculado, esses conceitos sobre Espiritualidade vão variar na forma. Aí está a diversidade no interior das religiões afro-brasileiras, mas – idenpendente da questão teórica – ela precisará ser vivenciada, ritualizada. Esse é mais um ponto comum das mesmas religiões afro-brasileiras que acreditam ser possível alcançar a Espiritualidade em qualquer confessionalidade religiosa, ou mesmo em outros setores do conhecimento humano (isonomia). Não somos melhores, mas certamente não somos piores do que qualquer expressão religiosa.

Ainda sobre Iniciação, o povo de santo sabe bem que em cada terreiro, seu respectivo pai ou mãe de santo sabe a melhor maneira de conduzir seus filhos espirituais. Mesmo em um mesmo terreiro, o sacerdote precisa mostrar caminhos diferentes, adaptados a realidade de cada um que o confiou a vida espiritual. Daí a dificuldade de "empacotar" a espiritualidade como um produto a ser vendido.

Um caso que ilustra bem essa distorção, ocorre nas redes sociais. Não é incomum observar como algumas pessoas tentam tirar o foco da Espiritualidade inerente a cada um produzindo textos-mensagens curtos, recheadas de palavras bonitas ou com certo apelo estético na tentativa de ofertar "espiritualidade" em conta gotas. Naturalmente, já que estamos inseridos em uma sociedade da "correria", algumas pessoas entram nessa ilusão e consomem esse "produto" como se aliviasse suas angústias pelo Espiritual.

Nada contra quem produz ou consome essa pseudo-espiritualidade em conta gotas, mas não é assim que as Religiões Afro-brasileiras tratam a questão. Longe disso, pois com a dependência de consumo acaba se tornando uma verdadeira droga. E mais uma vez somos obrigados a evocar Marx quando falava que a religião é o ópio do povo. Sim, na justa medida em que indivíduos utilizam os conhecimentos religiosos para criar dependência com as pessoas que muitas vezes estão doentes em diferentes sentidos (saúde, material, espiritual), vender ilusão em pequenos textos é envenenar as pessoas em conta-gotas.

Nossos terreiros não são redes sociais. A vida templária não é resumida em publicações virtuais onde se pode "curtir" ou "compartilhar". A experiência com os Orixás, a vida com nossos pais, mães e irmãos de santo é com o pé descalço no terreiro, batendo a cabeça no conga. Tratando de nossos problemas, auxiliando os dos outros, agindo em benefício do coletivo. O que invariavelmente faz bem para todos, inclusive a si mesmo, com a benção do Astral.

Ao afirmar que faz bem a si mesmo, naturalmente a Espiritualidade que nos é inerente se desperta. Não negamos que o caminho é árduo. Afinal, o terreiro não estimula a vaidade, não faz apelo para ampliar o seu ego. Pelo contrário, a vida dentro da comunidade de santo desconstrói interesses egoístas e faz prevalecer o comum, o coletivo. Em uma sociedade que cada vez mais quer privilegiar o consumidor individualmente, falar de bens coletivos e, ainda, que são estruturados pelo espiritual certamente é algo paradigmático. Não é por menos que a simplicidade do terreiro é tão verdadeira que chega a incomodar, expulsando os que só querem holofote. Talvez para esses últimos só reste mesmo o conta gotas...


Aranauan, Saravá, Axé,
Yabauara (João Luiz Carneiro)
Discípulo de Mestre Arhapiagha (Pai Rivas)


 
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